quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Bastos Leitão, comandante do Comando Distrital de Setúbal da PSP: “Neste momento o crime que mais nos preocupa é o furto a residências”

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Bastos Leitão, superintendente responsável pelo Comando Distrital de Setúbal da PSP garante que a criminalidade grave e violenta baixou no distrito, assim como os crimes de tráfico de droga. O valor do ouro fez disparar os roubos na via pública, tipo de criminalidade que também se encontra controlada. No entanto, a preocupação da PSP vira-se agora para os assaltos a residências que, no decorrer deste ano, tende a aumentar.

“O Setubalense”: A nível criminal, qual o balanço que faz do último ano?

Bastos Leitão: Se estivermos a falar a nível de todo o Comando de Setúbal, assistimos, claramente, a uma esterilização da criminalidade, tanto a grave como a violenta, com uma estatística próxima de zero em termos de variação o que para nós é bom, até porque a tendência de descida dos dois últimos anos, com as margens que estávamos a conseguir dificilmente conseguiria ser mantida, temos portanto uma estabilização no quadro da criminalidade o que é bastante positivo, muito embora este ano tenhamos assistido a um dado novo na criminalidade, em todo o distrito, e noutras partes do país, que tem a ver com os preços no mercado do ouro. Neste momento o ouro é o maior atractivo para o criminoso de rua, que é exactamente o mesmo que até agora assaltava estabelecimentos para ir roubar, com arma de fogo, 50euros da caixa registadora, e neste momento é muito mais atractivo esperar por uma vítima na rua e roubar-lhe um fio de ouro do pescoço, uma aliança, um relógio, seja lá o que for…

“O Set.”: Daí falar na deslocação do tipo de criminalidade…

B.L.: Sim, claramente! Existe essa deslocação do crime da área comercial para a rua, o que torna muito mais difícil a nossa acção, uma vez que é relativamente mais fácil prevenir a criminalidade no interior dos estabelecimentos, através do diálogo com os comerciantes e de medidas tomadas em conjunto, e é mais difícil fazê-lo na rua, até porque, normalmente, são indivíduos que vagueiam pela via pública esperando, oportunistamente, que haja uma vitima mais apetecível. Essa é a grande transformação do crime de 2011 em relação ao crime de 2010, tudo isto motivado, claramente, pela profusão de casas que se dedicam à venda de ouro e que tornam a sua venda muito fácil… Aliás, e a demonstrar isto, a preocupação que o próprio sistema de Segurança Interna, já esta semana, dedicou a este assunto fazendo operações planeadas, envolvendo os órgãos de policia criminal em acções dirigidas, especificamente, para este efeito, coisa que nós já tínhamos feito, no ano passado, aqui no distrito de Setúbal e que agora vai ser alargado a outros distritos, o que significa que nós não andávamos desatentos aqui na nossa área e por isso reagimos rapidamente a isto e o certo é que começamos já a notar alguns ganhos, nesta matéria, a partir do segundo semestre de 2011, onde se inverteu uma tendência que não era positiva, no primeiro semestre, com demasiados roubos, na via pública, motivados pela questão do ouro e, a partir do segundo semestre, também motivado pela nossa alteração de estratégia para este tipo de situações, começamos a ter mais ganhos operacionais e posso dizer que, neste momento, a situação está relativamente controlada. Essa foi a grande alteração criminal do ano passado e que motivou a tal alteração operacional que, quase que diria, repentina e que teve que ser mesmo muito rápida porque a situação ameaçava descontrolar-se, nessa matéria.

“O Set.”: Essas acções têm prolongamento na investigação feita ás casas de compra de ouro? Existe alguma fiscalização relativamente a aquisição legal das peças em ouro?

B.L.: Tratam-se de casas comerciais, com actividade legítima, que pagam os seus impostos e estão registadas, como qualquer outra casa comercial… Só para lhe dar uma noção, só na Península de Setúbal e só na área da PSP, nós identificamos, só no ano passado, a meio do ano existiam cerca de 130 casas abertas, a fazer comprador. Obviamente que a fiscalização que fizemos foi pública! Nós no ano passado fizemos duas grandes operações, coordenadas com a GNR, com a ASAE e com a Direcção Geral de Contribuições e Impostos em que, em conjunto, fizemos fiscalização a estas casas e nas duas operações a PSP apreendeu vários quilos de ouro, material que era suspeito de ser proveniente de actividades ilícitas e criminais… Estamos atentos a esse fenómeno e a fiscalização não vai parar por aqui e é claro que este é um tipo de crime que é difícil porque o preço do ouro está extremamente alto e as pessoas têm necessidade de se desfazer de muitos dos seus bens pessoais para ultrapassar as suas dificuldades diárias e é bastante atractivo abrir uma casa para fazer esta compra aos cidadãos normais, pelo que vamos continuar a fazer a nossa acção, tanto na parte de quem rouba como na parte depois de quem faz a compra desse ouro, porque as duas partes são importantes.

“O Set.”: As vítimas deste tipo de criminalidade têm algum tipo padrão?

B.L.: Essa é uma parte que nos preocupa e nós, através do programa Escola Segura, temos feito campanhas em lares de idosos, associações, centros de dia e em todos os locais onde podemos alertar os idosos, que são os primeiros alvos, uma vez que normalmente, ou invariavelmente, os criminosos escolhem para a sua actividade mais idosa… São pessoas que têm medalhões sempre expostos, pulseiras, anéis, brincos de ouro, etc., que são pessoas mais frágeis e mais apetecíveis para este tipo de roubo e dai o fazermos este tipo de campanhas de prevenção, alertando para que as pessoas não exibam este tipo de bens e é tudo o que podemos fazer, em matéria de prevenção, para que a pessoa não exiba este tipo de bens e não chame a atenção porque senão torna-se, claramente, um alvo apetecível para este tipo de ladrões. Pessoas com 70 ou 80 anos, como temos vários casos, obviamente já não têm a força física para resistir a jovens na flor da idade.

“O Set.”: Mas um indivíduo que vende uma peça de ouro roubada, não se identifica na loja?

B.L.: A identificação fica feita mas se à pessoa que está na loja nada indicar que aquilo seja fruto de um crime, aceita o objecto como aceita a outra pessoa qualquer, para além de que a partir do momento em que o objecto roubado é vendido, normalmente perde-se-lhe imediatamente o rasto, uma vez que já existem casas que têm fornos e fundem imediatamente o ouro e ao fazê-lo as características da peça desaparecem. Aliás, o senhor ministro de Administração Interna já criou um grupo de trabalho para que se reveja a regulamentação deste tipo de actividade, exactamente porque assim torna-se fácil esconder artigos que vieram de proveniência ilícita.

“O Set.”: Qual o tipo de criminalidade que mais preocupa este Comando?

B.L.: Neste momento o crime que mais nos preocupa é o furto a residências, uma vez que esta é uma área onde houve um aumento da estatística criminal, pelo que essa é uma área a que vamos dedicar particular atenção neste ano e ai a prevenção é absolutamente essencial…Ou seja, é impossível nós podermos prevenir o crime em residências e as pessoas ainda estão um bocadinho habituadas a uma certa displicência nesta matéria de segurança da sua própria habitação. Continuamos a assistir a casos onde, aparentemente, os ladrões não fizeram esforço nenhum em entrar porque as questões de segurança eram tão débeis que foi fácil entrar e fizeram-no sem deixar qualquer espécie de marcas: ou o estore em baixo mas as vidraças abertas, ou a porta que abre só com um empurrão, enfim… todo um conjunto de factores que facilitam a vida ao ladrão e as pessoas têm que se começar a convencer que elas também têm que fazer parte da sua própria segurança e não apenas delegar delegarem nas forças de segurança toda a protecção dos seus bens e das suas residências. Os tempos hoje são diferentes, já não estamos a falar de situações de há 10, 15 anos atrás, os indivíduos que andam nesta vida também foram aprendendo com os seus erros e nós temos neste momento indivíduos já com algum grau de especialização que conseguem até abrir fechaduras com alguma sofisticação, pelo que muito mais fácil é introduzirem-se dentro de casas de pessoas que não tiveram qualquer tipo de cuidados. Sobre isto vamos tentar, através dos órgãos de comunicação social, lançar uma campanha dizendo ás pessoas quais são os crimes mais comuns nesta área para que as pessoas também consigam aperceber-se se as suas casas estão seguras ou se tem potencial para ser furtada

“O Set.”: Existe algum método específico neste tipo de assaltos?

B.L.: Existem claramente muitos escalamentos e as medidas têm que ser tomadas por toda a gente, independentemente do andar, porque depende da arquitectura do prédio: se há alguns que não são facilmente escaláveis, outros existem, principalmente os mais antigos, com aquelas varandas antigas de gradeado em que, para um indivíduo hábil e ágil, é fácil subir por ali acima até ao terceiro ou quarto andar sem qualquer tipo de dificuldades e ai é uma análise caso a caso, mas o escalamento é claramente uma área bastante utilizada, assim como o arrombamento, mas não o arrombamento difícil, ou seja, o arrombamento que faz muito barulho, que dá muito trabalho e demora algum tempo, normalmente não é muito utilizado. Eles escolhem casas com portas antigas e com fechaduras simples, sem trancas, pelo que as pessoas têm que começar a investir nas fechaduras das suas casas, a ter algum cuidado com as janelas, nomeadamente o sair de casa e deixar as janelas abertas para a casa arejar… Outra questão em que as pessoas deveriam ter também muito cuidado é o de abrir a porta a pessoas que não conhecem, ou que se identificam com isto ou aquilo e que aproveitando o facto de a porta ter sido aberta, forçam a entrada e o objectivo é o ouro que as vitimas tenham em casa. Outra coisa que as pessoas deverão que ter presente é que, neste momento, o objectivo dos assaltantes não é o televisor ou aparelhagem, mas sim o ouro pelo que, quando tenham bens desse género, deverão mudar os locais de fácil acesso e usuais.

“O Set.”: Quando falamos de assaltos a residências estamos a falar de assaltantes maioritariamente portugueses, ou não?

B.L.: Basicamente de portugueses. A criminalidade em Portugal, levada a cabo por estrangeiros está, estatisticamente, relacionada com a sua representação na sociedade. O que é que eu quero dizer com isto?... Existe uma determinada proporção de criminalidade relativamente ao número de imigrantes, mas não há nenhuma forma de dizer que este tipo de situações é atribuída aos estrangeiros, é obvio que nós sabemos que há grupos de estrangeiros a actuar, mais activos e com métodos mais descarados, mas com métodos não muito diferentes…

“O Set.”: Relativamente ao tráfico de droga que dizem as estatísticas? Aumentou ou diminuiu?

B.L.: Os únicos dados que tenho disponíveis, relativamente a esse tipo de crime, são das apreensões que fazemos e obviamente que temos feito algumas apreensões, mas no geral do Comando baixou significativamente. Muito embora, no trânsito de estupefacientes, do Algarve para as áreas de Setúbal e Lisboa, tem havido alguma atenção da nossa parte porque é uma rota de trânsito de tráfico importante e, só este ano, já tivemos cinco ou seis operações de grande calibre e ainda hoje apreendemos mais 1.800 de haxixe e 1.400 de liamba a caminho do Barreiro exactamente proveniente deste trânsito de droga proveniente do Algarve.

“O Set.”: O Comando tem estado a receber novos elementos…

B.L.: Estamos, neste momento, na fase final de receber 100 novos agentes, para todo o Comando, dos quais 32 ficaram aqui na cidade o que é um aumento significativo de cerca de 10 por cento do efectivo. Estes são agentes que vieram do Comando Metropolitano de Lisboa onde tinham funções operacionais, todos eles para patrulha.

“O Set.”: Somente no último ano, um agente deste Comando suicidou-se e um outro cometeu um crime de homicídio. Que acompanhamento psicológico é dado aos agentes policiais para evitar que se cheguem a situações desta natureza?

B.L.: Em Setúbal existem quatro formas de prestar-mos apoio psicológico aos nossos agentes e duvido (faço esse desafio a quem o quiser testar) que existam outras organizações da administração pública que prestem tanto apoio, de carácter médico e psicológico, aos seus funcionários. A saber: aqui o Comando de Setúbal, no seu posto médico, todas as semanas têm consultas de psicologia com uma psicóloga, com quem pretende ter acompanhamento. Segundo, qualquer agente a quem seja detectado qualquer tipo de perturbação, imediatamente é deslocada uma equipa de Lisboa, da nossa Divisão de Psicologia, para acompanhar esse agente de imediato e estamos a falar com resposta de cerca de uma hora. Terceira forma, o Comando tem consultas médicas todos os dias, aqui, e não é caso raro que seja o próprio médico, no âmbito da consulta, a aconselhar o profissional a ser acompanhado psicologicamente e existe ainda uma quarta forma: se um agente achar que internamente os seus colegas vão saber do seu acompanhamento psicológico e não quiser que isso aconteça, pode ainda recorrer a um profissional exterior e a PSP paga-lhe, através do seu sistema de saúde, esse acompanhamento psicológico e temos vários casos nestas circunstâncias. É também necessário não esquecer, e ao contrário do que muitas vezes se diz, no caso dos oficiais estes devem estar, permanentemente, alerta, para casos de perturbação e isto não é letra morta! Eu tenho tido provas de que toda a minha hierarquia tem muita atenção a estes sinais que os seus agentes dão, de forma a tentar convence-los a irem receber ajuda. Qual é o principal problema nisto tudo? Ao contrário do que a maior parte das vezes vem para a praça pública, isto tipo de situações não se dá por falta de acompanhamento, mas sim por problemas conjugais, de divórcios ou questões monetárias… Eu estive no Departamento de Formação da PSP, durante quatro anos e meio, e tinha sob a minha responsabilidade a Divisão de Psicologia. Nesse espaço de tempo passaram por mim 25 suicídios e posso garantir-lhe que nenhum deles estava relacionado com questões profissionais e sabes isso porque em todos eles foram feitas as autópsias psicológicas, ou seja, deixamos passar seis meses, para as pessoas fazerem o luto, e vamos falar com as pessoas mais próximas, amigos, familiares e colegas de trabalho, tentar perceber das motivações que levaram o agente a cometer um acto de natureza, até para que mais tarde tenhamos forma de melhor prevenir e, tal como já referi, daquele 25 nenhum deles se havia suicidado por questões profissionais, sendo que as questões relacionadas com o divórcio e os problemas económicos estão claramente na origem destes casos.

Frases

“Neste momento o ouro é o maior atractivo para o criminoso de rua, que é exactamente o mesmo que até agora assaltava estabelecimentos”

“É impossível nós podermos prevenir o crime em residências e as pessoas ainda estão um bocadinho habituadas a uma certa displicência nesta matéria”

“Em Setúbal existem quatro formas de prestar-mos apoio psicológico aos nossos agentes e duvido (faço esse desafio a quem o quiser testar) que existam outras organizações da administração pública que prestem tanto apoio”

Fonte: O Setubalense

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